Data Publicação: 24 de Outubro de 2012

Pobby e Dingan (Ben Rice, 2000)

 

Pobby e Dingan veio-me cair às mãos através de um amigo, que teve o bonito gesto de me emprestar o livro por considerar o conteúdo interessante para alguém que estuda Psicologia ou, para ser mais precisa, alguém que se interessa pelos fenómenos  da mente e do comportamento, como o meu caso. Foi no dia 19 de Outubro de 2012 que me dediquei a esta leitura, que se desenrolou de forma muito natural e ininterrupta.

Trata-se de um livro breve (79 páginas), de fácil leitura, cativante e extremamente comovente.

 

Resumo do livro:

Pobby e Dingan vivem em Lightning Ridge, em New South Wales, capital das opalas, na Austrália. São amigos de Kellyanne Williamson, filha de um mineiro; na verdade, apenas Kellyanne os pode ver: Pobby e Dingan são os seus amigos imaginários.

Ashmol Williamson, irmão de Kellyane, fala na primeira pessoa e conta como é o seu dia-a-dia, não só com os seus pais e irmã, mas também com Pobby e Dingan. Eles são tratados como se realmente existissem e isso deixa-o intrigado. Repare-se que Kellyanne constrói uma personalidade em torno de cada um dos seus amigos imaginários: Dingan é pacifista, tem umbigo de opala e um rosto bonito; Pobby coxeia de uma perna e tem um coração generoso. Apesar de invisíveis e transparentes, eles tinham lugar à mesa nas refeições, iam no autocarro para a escola ao lado de Kellyanne, comiam chocolate Violet Crumble e brincavam ao rigaragaroo, ou seja, eram tratados como se fossem mesmo reais não só por Kellyanne, como por outras pessoas que a adoram (os seus pais) ou acham piada (professores, vizinhos).

Porém, Ashmol acha que a irmã devia crescer e deixar de ser assim, amalucada. Tudo muda no dia em que Pobby e Dingan desaparecem, pois o pai leva-os à sua concessão e regressa a casa sem jamais se lembrar que os tinha levado a passear. A filha implora-lhe para que voltem ao local para os procurar e o pai acaba por conceder. Ashmol acompanha-os nessa busca, que acaba da pior forma: o Sid Velho Resmungão repara que Rex está na sua concessão e acusa-o de gatuno, o pior crime que um mineiro de opalas pode cometer. Rex é levado pelos polícias e passa a ser visto de forma pejorativa pela maioria da população.

A par disso, Kellyanne encontra-se roída de mágoa pelo desaparecimento dos seus amigos, não come e apresenta sinais de depressão, acabando por ser hsopitalizada. Ashmol, na tentativa de salvar a irmã, convoca toda a povoação para procurar Pobby e Dingan, alegando a oferta de uma recompensa. Apesar das tentativas de alguns povoantes em trazer Pobby e Dingan, Kellyanne reclama sempre por ninguém encontrar verdadeiramente os seus amigos.

Desta forma, a irmã transmite a Ashmol que eles devem estar mesmo mortos, mas que gostava de ver, pelo menos, os seus corpos. Pede-lhe para ir procurá-los na concessão. Assim, Ashmol apercebe-se que só ele os pode encontrar e só os poderá encontrar se também começar a acreditar que são reais. Em busca de Pobby e Dingan, encontra os seus corpos no fundo da galeria que cedeu: havia um papel de uma barra de chocolate Violet Crumble no chão e uma opala, o umbigo de Dingan. Dá à notícia à irmã, felícissimo pela descoberta de uma opala valiosíssima, à qual a irmã lhe pede para a usar para pagar o funeral dos seus amigos.

É realizada, de facto, uma cerimónia fúnebre a Pobby e Dingan, em que foram convidadas todas as pessoas de Lightning Ridge, e Kellyanne apareceu num estado de doença visível, após o pai a ter ido buscar ao hospital. A cerimónia foi comovente e ninguém ficou indiferente ao sofrimento de Kellyanne pela perda dos seus amigos. Rex voltou a ser respeitado pelos povoantes, pois finalmente acreditaram que ele, na fatídica noite, estava, de facto, à procura de Pobby e Dingan, e não tinha intencionalidade de furto.

"Porém, passada uma semana toda a população de Lightning Ridge voltou ao cemitério. A minha irmã Kellyanne Williamson foi enterrada ao lado dos seus amigos imaginários na mesma campa (...) E levou com ela alguns Violet Crumbles para o caso de Pobby e Dingan já não terem nenhuns. E embora no fim todos acreditassem que Pobby e Dingan tinham realmente vivido e estavam realmente mortos, ninguém em Ridge conseguia acreditar realmente que o funeral de Kellyanne Williamson estava realmente a ter lugar. E eu, Ashmol, ainda agora não acredito. Não consigo acreditar de maneira nenhuma. Mesmo hoje, passado um ano, é como se ela estivesse completamente viva. E vejo-me muitas vezes estendido acordado a falar com ela horas a fio.(...) E as pessoas falam com Kellyanne e com Pobby e Dingan. E o resto do mundo pensa que somos completamente pirados, mas cá por mim bem podem ir falar com os traseiros deles. Porque não passam de uns chalados que não sabem o que é acreditar numa coisa que é difícil de ver, ou ficar a olhar para uma coisa que é absolutamente difícil de encontrar."

 

Reflexão Crítica e Tópicos de Exploração:

O livro é extremamente comovente e contém uma carga emocional exacerbada, particularmente, na parte final. Esta leitura manifestou, em mim, uma imensa ternura, não conseguindo esconder a lágrima que insistia em aparecer no canto do olho, e que acabou por cair aquando a leitura do desfecho final, triste e inesperado.

Quando acabei de ler o livro senti uma extrema vontade de pesquisar sobre o autor e a criação de amigos imaginários.

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Esta vontade em esmiuçar a biografia de Ben Rice deveu-se ao meu conhecimento de que, na maioria dos casos, os autores tendem a falar de si ou de experiências pessoais através do que escrevem, embora o possam fazer de forma inconsciente. Pensei que Ben Rice pudesse ter tido um amigo imaginário na sua infância ou, eventualmente, ser alguém próximo dele que o tivesse, como um irmão ou mesmo um filho. Contudo, a informação biográfica que reuni sobre ele é muito resumida: Ben Rice nasceu em Devon, Inglaterra, em 1972, é professor de Inglês na Universidade de Newcastle e no Wadham College de Oxford, vive em Londres e Pobby e Dingan foi o seu primeiro livro (2000), tendo constituído um verdadeiro fenómeno. Quanto à minha curiosidade sobre a eventual projeção de uma vivência pessoal do autor, permanece desconhecida.

 

Outra questão que me coloquei de imediato foi sobre a negatividade da criação de amigos imaginários, que podem ser encarados pela criança como, de facto, reais. Folheei, de imediato, o DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) para verificar sobre a existência de algum comportamento, deste género, em alguma Perturbação na Primeira e Segunda Infâncias. Tal como calculava, não encontrei nenhuma perturbação que apresentasse este comportamento como critério principal. Obviamente que um comportamento semelhante num adulto (ver alguém que não existe, interagir com ele, senti-lo, etc.) era considerado, logo à partida, uma alucinação, uma vez que se trata da perceção real de um objeto inexistente, em que a origem podia estar num Tipo de Perturbação, como a Esquizofrenia, Abuso de Substâncias, Delirium, entre outros, ou, por exemplo, devido a um processo natural de Luto.

Tocando neste ponto, sabe-se que Ashmol continua a falar com a sua irmã Kellyanne, mesmo passado um ano desta morrer. Sabe-se que uma pessoa enlutada, logo após a morte de alguém bastante próximo (como um cônjuge, pai ou, neste caso, uma irmã), está sujeita a ter alucinações visuais, auditivas, ou de outro tipo.  Por vezes o aparecimento destas alucinações assusta a pessoa enlutada, mas é um acontecimento normativo deste processo, devido à grande proximidade estabelecida com a pessoa que morreu. Porém, no caso de Ashmol, já passou um ano. Ele acredita na existência de alguém que não está fisicamente visível (a irmã falecida), podendo ser justificado pelo caso próximo e pessoal do Pobby e do Dingan, amigos IMAGINÁRIOS que estiveram na origem da morte REAL da irmã. 

Debruçando-me de novo sobre a existência de amigos imaginários, realizei uma pesquisa e descobri que uma em cada três crianças nutre, temporariamente, uma relação existente apenas na fantasia, o que não é motivo de preocupação. Este fenómeno, que não é assim tão raro, surge, principalmente, entre os 3 e 7 anos.

O autor não revela a idade de Kellyanne. Há momentos em que parece que ela se encontra nesta faixa etária, porém, também é descrita uma troca emocional entre Kellyanne e os seus amigos imaginários, e mais ainda, ela usa aspetos da personalidade para os descrever, o que é próprio da adolescência.

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Muitos pais ficam preocupados com este comportamento e questionam-se: "Será que devemos deixá-lo com a sua fantasia ou tentar convencê-la a abandoná-la?". O que os estudos revelam sobre este fenómeno é que não há motivo para preocupações. Apesar dos "amigos imaginários" serem estudados, de forma intensiva, há muito tempo, nos últimos 100 anos, poucos psicólogos se dedicaram a este tema. E há um ponto em comum: todos concordam que os amigos imaginários estimulam o desenvolvimento das crianças, podem suprir eventuais lacunas afetivas e ajudam na elaboração de questões psíquicas.

Surge uma inevitável preocupação nos pais, professores ou terapeutas, quando os amigos imaginários são mantidos por um longo tempo, com uma nitidez incrível pela criança. Porém, as crianças sabem bem que os "seus amigos" não são reais e que só existem na sua imaginação, ou seja, estas criações psíquicas podem ser claramente diferenciadas de fantasias patológicas, que ocorrem, por exemplo, nas psicoses. A criança nunca se sente indefensavelmente dominada pelo amigo que criou, bem pelo contrário, pode modelar, modificar e manipular a sua invenção como quiser. É ela que dita também a duração desse "relacionamento". Apesar disto, Kellyanne parece acreditar que os seus amigos são, de facto, reais.

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causa mais aparente e lógica de Kellyanne ter criado estes amigos imaginários, foi pela sua família ter mudado de casa, para Lightning Ridge, devido à profissão do pai como mineiro. Ou seja, tal facto constituiu uma mudança drástica:

"Estudos mostraram que amigos imaginários apareciam principalmente quando surgiam mudanças drásticas: a mãe ficava grávida; quando um dos pais estava ausente; no caso de separação dos pais ou de amizades que se rompem, devido a uma mudança de casa, por exemplo, os amigos imaginários ajudam na superação."

No caso de Kellyanne, ela viveu o desaparecimento dos seus companheiros e, posteriormente, a morte dos mesmos, o que a levou a desenvolver uma Perturbação Depressiva Infantil, ao que parece, Grave.

depressão caracteriza-se pela associação de um conjunto de sintomas, como a tristeza, anedonia, fadiga ou perda de energia, pessimismo, inutilidade e culpa, perda de apetite, ansiedade e pensamentos sobre a morte ou de suicídio. Ashmol descreve a sua irmã, no dia do funeral de Pobby e Dingan, de forma a tornar explícita a manifestação de alguns sintomas depressivos:

"Pela janela de trás vi o rosto empalidecido de Kellyanne. Corri para a porta de trás, abri-a e Kellyanne voltou-se e esboçou um sorriso, pois não tinha energia para um sorriso aberto. Estava tão magra como nunca vira ninguém assim (...)" (p.73).

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conclusão que retiro desta história é que se deve deixar fluir naturalmente o fenómeno de criação e manifestação de amigos imaginários de uma criança. Não se deve fazer com que a criança os abandone, pois é ela que dita a duração desse mesmo relacionamento. Ora, tal como todos os relacionamentos, apenas a própria pessoa saberá quando está preparada e qual o momento certo para a sua separação. A separação forçada deste processo natural pode ter consequências mais graves como, neste caso, a manifestação de uma verdadeira perturbação mental que culminou na própria morte!

 

[Nota: As questões mais profundas sobre a morte, como a existência da alma e do espírito, de algo para além da matéria, do visível, do palpável, serão exploradas brevemente, nesta secção, na minha próxima publicação.]

 

 
 

Pobby e Dingan (Ben Rice, 2000)

Texto

Margarida Faves | 23-10-2013

Muito giro, gostei de ler o livro

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